O Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho de Santa Catarina – FETI/SC, espaço permanente de discussão das questões relacionadas à erradicação do trabalho infantil e proteção do adolescente trabalhador, vem, pela presente, manifestar-se contrariamente às propostas
de Emendas Constitucionais nº 18/2011 e 35/2011, que almejam modificar a redação do inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal, para permitir a redução da idade mínima de admissão ao trabalho. Atualmente, o texto constitucional proíbe o “trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (artigo 7º, XXXIII, CF/88). Contudo, a PEC nº 18/2011, de autoria do Deputado Dilceu Sperafico – PP/PR, se aprovada, autorizaria o trabalho de adolescentes, a partir dos quatorze anos de idade em regime de tempo parcial. A PEC nº 35/2011, por sua vez, de autoria do Deputado Onofre Santo Agostini – DEM/SC, almeja autorizar o trabalho a partir dos quatorze anos de idade e a aprendizagem a partir dos doze. Ocorre, no entanto, que a elevação da idade mínima para o trabalho, o que adveio com a aprovação da Emenda Constitucional nº 20/1998, foi fruto da luta contra a exploração do trabalho infantil e retornar ao status anterior significa, sobretudo, um retrocesso na conquista dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. Acerca da criança e do adolescente, cumpre consignar que a ordem jurídica brasileira abrigou a denominada “Doutrina da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta”, segundo a qual a criança e o adolescente passaram a ser vistos como sujeitos de direitos que devem ser colocados a salvo de qualquer forma de opressão ou exploração que desrespeite sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento constando na Constituição Federal de 1988, notadamente no caput do art. 227, que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Destaca-se que a Constituição de 1988, marco jurídico da transição democrática e institucionalização dos direitos humanos no Brasil, ao estabelecer novos princípios e garantias de direitos individuais, conferiu tratamento especial e privilegiado às crianças e adolescentes, proibindo o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e qualquer tipo de trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos. Até os dezoito anos de idade a pessoa humana vive um especial e veloz processo de desenvolvimento, processo este que é característico da infância e da adolescência. Em razão dessa peculiaridade, os textos constitucional e estatutário conferiram ao público
infanto juvenil a proteção integral dos seus direitos, assegurando-lhes, como pessoas em desenvolvimento, além de todos os direitos inerentes à pessoa humana, o direito à proteção integral, cujo fundamento se baseia na prioridade absoluta, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, em condições de liberdade e dignidade. A fixação da idade mínima para o trabalho deve ser entendida como iniciativa de
natureza protetiva ao adolescente e à criança, constituindo parte integrante do conjunto de ações e compromissos político-jurídicos, de tendência mundial, que visam a propiciar maior espaço e incentivo à educação fundamental, bem como meios e condições hábeis à formação e qualificação profissional. O trabalho precoce prejudica o desenvolvimento físico e emocional, porquanto sujeita o pequeno trabalhador a esforços e perigos que estão além de suas possibilidades estruturais. Dessa forma, ao mesmo tempo em que anula a infância e a adolescência, o trabalho infantil compromete as possibilidades de uma fase adulta saudável. A esse respeito, Custódio e Veronese alertam que: em geral, as condições de vida das crianças e dos adolescentes que trabalham são muito deficientes. Em razão da carência e pobreza, as crianças e adolescentes são submetidos a trabalhos precários, sem instalações adequadas ou com estruturas inadequadas. Estão inseridas em um quadro de carência alimentar, em ambientes que não estimulam o seu desenvolvimento neuropsicomotor, ou o fazem de forma deficitária. O trabalho infantil tende a provocar maio numero de doenças infanto juvenis e sérias deficiências no desenvolvimento e saúde da criança e do adolescente. Características como carência de vitaminas, deficiências de proteínas, anemias, bronquites e tuberculoses são muito frequentes. O trabalho infantil gera um nível elevado de cansaço, pois a capacidade
de resistência da criança e do adolescente ainda é limitada, se comparada às exigências laborais adultas. Sua força muscular é menor que a de um adulto. Também é falsa a ideia de que o trabalho é a resposta mais adequada aos adolescentes “ociosos”, “infratores”, “drogaditos” e “marginalizados”. Na realidade, a
exploração do trabalho infantil é um dos fatores responsáveis por serem esses índices tão elevados. De acordo com Silveira e Veronese , o acesso precoce ao mercado de trabalho, quando não interrompe a vida escolar, a atrapalha substancialmente. Uma criança ou um adolescente sem chances de ter desenvolvimento e formação adequados, dificilmente se encaixarão no mercado de trabalho, restando-lhes os caminhos da exclusão social e da marginalização. Em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, publicada em 2003, o então Ministro de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, atribuía o aumento do trabalho infantil às medidas econômicas responsáveis pelo aumento do desemprego e diminuição da renda da população, "levando as famílias mais pobres a introduzirem adolescentes no mercado de trabalho, precocemente" .
Esse processo, de acordo com Custódio e Veronese , gera um “círculo vicioso, uma vez que o trabalho infantil aumenta os níveis de desemprego adulto, pressionando estes mesmos adultos a recorrerem à mão de obra de seus filhos para garantir a subsistência do núcleo familiar”. Assim, geração após geração, essas famílias hipossuficientes veem-se presas a esse círculo que é marcado pelo trabalho precoce, pela pouca escolarização, pelas poucas oportunidades e, consequentemente, pela pobreza. Outrossim, o Brasil é signatário de vários documentos internacionais onde se compromete a combater a exploração do trabalho infantil, a exemplo da Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto nº 4.134/2002. A Convenção nº 138, que dispõe sobre a idade mínima para a admissão ao emprego, em seu artigo 1º, determina aos Estados-Membros a adoção de uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente. O texto da Convenção nº 138, ainda, em seu artigo 2º, item 3, estabelece que a idade mínima a ser fixada não deverá ser inferior à idade de conclusão da escolaridade
obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos. A esse respeito, recorda-se que, pela nova redação do artigo 207, inciso I, da Constituição Federal, após as modificações promovidas pela Emenda Constitucional nº 59/2009, a educação obrigatória passou a abranger toda a educação básica, dos quatro
aos dezessete anos de idade. Assim, uma vez fixada a idade mínima de dezesseis anos, por força de norma
constitucional, em consonância com as normas internacionais, não se pode admitir um refluxo no parâmetro protetivo, pois estas mesmas normas vedam o retrocesso na proteção aos direitos humanos. Por todo o exposto, o Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho de Santa Catarina, vem manifestar-se em favor da manutenção da idade mínima de dezesseis anos para o ingresso no trabalho, pugnando pela rejeição da Proposta de Emenda Constitucional nº 35/2011, e pela rejeição do Parecer do Deputado Paulo Maluf pela admissibilidade da PEC nº 18/2011. No ensejo, manifesta votos de respeito e consideração, ao tempo em que coloca este Fórum à disposição para o que se fizer necessário ao fortalecimento da missão constitucional de proteção integral dos direitos da criança e do adolescente.
Atenciosamente,
Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do
Adolescente no Trabalho de Santa Catarina - FETI/SC
Espaço permanente de discussão das questões relacionadas à erradicação do
trabalho infantil e proteção do adolescente trabalhador